Eloi Ferreira de Araujo, O Globo *
Há 24 anos foi criada a Fundação Cultural Palmares,
instituição vinculada ao Ministério da Cultura. É o primeiro órgão do
Estado brasileiro com a missão de criar políticas de ação afirmativa, voltadas
à população negra, com atribuições da difusão, promoção e proteção da cultura
de matriz africana. Recentemente, temos lido alguns artigos sobre
quilombos. Alguns têm má-fé e outros demonstram desconhecimento
profundo. Nos lembram um samba de Zeca Pagodinho que diz: “Você sabe o
que é caviar? Eu não sei, nunca vi, só ouço falar.” Parafraseando o
grande sambista: “Você sabe o que é um quilombo? Eu não sei, nunca vi, só
ouço falar.” São comunidades habitadas por descendentes de escravos, que
possuem trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais
específicas, e, principalmente, são relacionados à resistência à
escravidão. Merece destaque a epopeia do dos Palmares, em Alagoas, que
resistiu por mais de cem anos aos ataques dos escravocratas. Lá viviam em
comunhão ex-escravos, indígenas e não negros perseguidos pela Colônia.
Contudo, em 20 de novembro de 1695, Zumbi dos Palmares, seu último líder, foi
morto, e o quilombo,
destruído.
A certificação de uma comunidade de remanescentes
dos quilombos tem como base legal o Artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e os artigos 215 e 216 da Constituição Federal, a
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e os Decretos 4.887/2003
e 6.040/2007. O processo de certificação tem início com a comunidade, que encaminha
à Fundação Cultural Palmares toda a documentação sobre o quilombo.
Declaração de autodefinição de que são quilombolas, base territorial, dados da
sua origem, número de famílias, jornais, certidões, enfim, toda prova hábil a
instruir o procedimento administrativo. A área certificada é submetida a
um rigoroso laudo antropológico, que dá origem ao Relatório Técnico de
Identificação e Delimitação (RTID). Quando a área é titulada passa a ser
propriedade coletiva, inalienável, impenhorável e imprescritível.
Os quilombolas não são envolvidos com grilagem,
esbulho, desmatamento, fraudes em cartórios ou venda ilegal de
propriedades. Sua ligação cultural com os antepassados faz com que a
terra onde vivem seja sagrada, não para especulação. São 1.715 quilombos
certificados em todo o país. Destes, apenas 120 tiveram títulos emitidos
pelo Incra, regularizando 987.936ha, em benefício de 11.918 famílias
quilombolas. Área equivalente a menos de um por cento das áreas dos três
dos maiores latifundiários do país.
O direito às terras dos quilombolas foi resguardado
na Lei 12.288, de 2010, o Estatuto da Igualdade Racial, assegurando-lhes
possibilidades de acesso aos bens econômicos e culturais. É preciso
superar em definitivo os preconceitos que aparecem travestidos de inúmeras
roupagens e impedem um Brasil mais igual. É chegada à hora da redução das
desigualdades e da construção de uma sociedade justa e solidária. A
igualdade de oportunidades entre negros e não negros haverá de ser o princípio
norteador para o desenvolvimento da nação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário