terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Quando me descobri negra por Bianca Santana



Sou negra há menos de um ano. Antes, era morena. Minha cor era praticamente travessura do sol. Era morena para as professoras black.girl white.mask do colégio católico, coleguinhas — que talvez não tomassem tanto sol — e para toda a família que nunca gostou do assunto. “Mas a vó não é descendente de escravos?”, eu insistia em perguntar. “E de índio e português também”, era o máximo que respondiam sobre as origens da avó negra. Eu até achava bonito ser tão brasileira. Talvez por isso aceitasse o fim da conversa.
Em agosto do ano passado, quando fui fazer uma reportagem na Câmara Municipal, passei pela rua Riachuelo onde vi a placa “Educafro“. Já tinha ouvido falar sobre o cursinho comunitário, mas não conhecia muito bem a proposta. Entrei. O coordenador pedagógico me explicou a metodologia de ensino com a cumplicidade de quem olha um parente próximo. Quando me ofereci para dar aulas, seus olhos brilharam. Ouvi que como a maioria dos professores eram brancos, eu seria uma boa referência para os estudantes negros. Eles veriam em mim, estudante da Universidade de São Paulo e da Faculdade Cásper Líbero, que há espaço para o negro em boas faculdades.
Saí sem entender muito bem o que tinha ouvido. Fui até a Câmara dos vereadores, fiz a entrevista, e segui minha rotina. Comecei a reparar que nos lugares onde freqüento as pessoas também não tomam tanto sol. O professor do Educafro toma. Será por isso que ele me tratou com tanta cumplicidade?
Pensei muito e por muito tempo. Não identifiquei nada de africano nos costumes da minha família. Concluí que a ascensão social tinha clareado nossa identidade. Óbvio que somos negros. Se nossa pele não é tão escura, nossos traços e cabelos revelam nossa etnia. Minha mãe, economista, funcionária de uma grande empresa, foi branqueada como os mulatos, que no século XIX passavam pó-de-arroz no rosto porque os clubes não aceitavam negros.
Eu fui branquedada em casa, na escola, no cursinho e na universidade. Como afirma o cientista político Francisco Weffort, no texto Branqueamento, “a expropriação imaginária das glórias dos negros o branqueamento apagou, especialmente para os pobres, o exemplo de líderes que podiam sugerir-lhes outros caminhos, além da humilhação cotidiana”. Ainda em busca de identidade afirmo com alegria que sou negra há menos de um ano. E agradeço ao professor que pela primeira vez, em 21 anos, fez o convite para a reflexão profunda de minhas origens.

Fonte: Bianca Santana

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