Ossaim, o malabarista das folhas
Certo
dia, Ifá, o senhor das adivinhações, veio ao mundo e foi morar em um campo
muito verde. Ele pretendia limpar o terreno e, para isso, adquiriu um escravo.
O que Ifá não esperava era que o servo se recusasse a arrancar as ervas, por
saber o poder de cura de cada uma delas. Muito impressionado com o conhecimento
do escravo, Ifá leu nos búzios que o criado era, na verdade, Ossaim, a
divindade das plantas medicinais. Ifá e Ossaim passaram a trabalhar juntos.
Ossaim ensinava a Ifá como preparar banhos de folhas e remédios para curar
doenças e trazer sorte, sucesso e felicidade.
Os
outros orixás ficaram muito enciumados com os poderes da dupla e almejaram, no
seu íntimo, possuir as folhas da magia. Um plano maquiavélico foi pensado:
Iansã, a divindade dos ventos, agitou a saia, provocando um tremendo vendaval.
Ossaim, por sua vez, perdeu o equilíbrio e deixou cair a cabaça onde guardava
suas ervas mágicas. O vento espalhou a coleção de folhas.
Oxalá,
o pai de todos os orixás, agarrou as folhas brancas como algodão. Já Ogum, o
deus da guerra, pegou no ar uma folha em forma de espada. Xangô e Iansã se
apoderaram das vermelhas: a folha-de-fogo e a dormideira-vermelha. Oxum
preferiu as folhas perfumadas e Iemanjá escolheu o olho de santa-luzia. Mas
Ossaim conseguiu pegar o igbó, a planta que guarda o segredo de todas as outras
e de suas misturas curativas. Portanto, o mistério e o poder das plantas
continuam preservados para sempre.
No
tabuleiro de Iansã
Orixá
das cores vermelha e branca, Iansã é a regente do vento e dos temporais. Segundo
uma antiga história da África, Xangô, marido de Iansã, certa vez a enviou para
uma aventura especial na terra dos baribas. A missão era buscar um preparado
que lhe daria o poder de cuspir fogo. Só que a guerreira, ousada como ela só,
ao invés de obedecer ao marido, bebeu a alquimia mágica, adquirindo para si a
capacidade de soltar labaredas de fogo pela boca.
Mais
tarde, os africanos inventaram cerimônias que saudavam divindades como Iansã, através
do fogo. E, para isso, usavam o àkàrà, um algodão embebido em azeite de dendê,
num ritual que lembra muito o preparo de um alimento bastante conhecido até os
dias que correm: o acarajé. Na verdade, o acarajé que abastece o tabuleiro das
baianas é o alimento sagrado de Iansã, também conhecida como Oyá.
O
quitute tornou-se símbolo da culinária da Bahia e patrimônio cultural
brasileiro. E, assim como ele, diversos elementos da tradição africana fazem
parte do nosso cotidiano. Em sons, movimentos e cores, a arte encontrou na
religião de origem africana seu sentido, sua essência, sua identidade.
A
porção humana dos orixás
Obá,
a orixá guerreira, disputava o amor de Xangô com Iansã e Oxum. Obá sentia o
corpo arder de ciúme ao ver seu amado tratar Oxum com gestos de atenção e
carinho e passou a imaginar que sua rival colocava algum tempero especial na
comida para enfeitiçar Xangô.
Certo
dia, Obá foi à cozinha disposta a descobrir o segredo de Oxum. Percebendo o
ciúme de Obá, Oxum resolveu pregar uma peça na guerreira e mentiu. Disse que
seu ingrediente era, na verdade, um pedaço de sua orelha. Obá então pôs uma
tasca da própria orelha na comida e serviu para Xangô, que rejeitou o prato.
Foi quando Obá se deu conta que caíra em uma armadilha e desde este dia, cobre
as orelhas quando dança na presença de Oxum.
Os
sentimentos humanos sempre estiveram presentes na mitologia dos orixás e na
tradição oral africana. Sentimentos que mais tarde viriam contar outras
histórias, que compõem uma literatura tipicamente feita por negros no Brasil.
A
espada justa de Ogum
Ogum
é um orixá benfeitor, capaz de salvar muitas vidas, mas também destruidor de reinos.
Há quem diga que, um belo dia, Ogum chegou em uma aldeia onde ninguém falava com
ele. Sempre que se dirigia a um habitante do lugar, só recebia um grande vazio
como resposta.
Pensando
que todos estavam zombando dele, Ogum ficou furioso e destruiu cada pedacinho
da aldeia. Logo em seguida, descobriu que aqueles moradores permaneceram
calados
porque faziam voto de silêncio e se arrependeu amargamente por haver empregado
as suas forças numa ação bélica.
Desde
então, o deus da guerra jurou ser mais cauteloso e proteger os mais fracos, sobretudo,
aqueles que estiverem sofrendo algum tipo de perseguição arbitrária. Tanto no orum,
o universo, como no aiyê, a terra, a luta dos negros contra as injustiças é
encarada por corajosos guerreiros espirituais e de carne e osso.
Omolu
dança só
Há
muitos e muitos anos, um episódio interessante percorre a África inteira. É
sobre uma grande festa, que reunia uma lista de ilustres convidados - Oxum,
Iemanjá, Oxalá, Xangô, Oxossi, Ossaim, Obá, Logunedé, Iansã, Nanã, Ogum e
Oxumaré. Todos os orixás estavam lá.Na verdade, quase todos, porque faltava o
Omolu.
Omolu
ficou do lado de fora com vergonha das marcas que a varíola lhe deixara no rosto.
Ao saber disso, Ogum correu até a floresta e teceu uma roupa de palha, o ofilá,
para que o irmão participasse da festa. Omolu entrou, mas ninguém quis dançar
com ele. Mesmo cobertas, suas feridas causavam repulsa nos orixás. A corajosa
Iansã foi a única que o chamou para uma dança. E como Iansã é a orixá dos
ventos, sem querer, mandou a roupa de Omolu pelos ares!
Qual
não foi a surpresa quando, livre do ofilá, surgiu um homem lindo, sem defeito algum.
Ao ver a beleza de Omolu, os orixás femininos suspiraram e os masculinos se morderam
de inveja. Omolu ofereceu à Iansã uma recompensa, mas, a partir daquele dia, passou
a dançar sempre sozinho nas festividades.
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