Publicado em Sábado, 01 Dezembro
2012 11:06
O texto abaixo é produto da minha
exposição no Seminário "Negro Plural", organizado pelo Instituto Luiz
Gama e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) em 29 de novembro, no SESC/Vila
Mariana. O tema da mesa era racismo e educação com foco na lei 10639 e as cotas
raciais nas universidades.
Há uma
tendência forte no movimento anti-racista de considerar que a superação do
racismo se dá pela educação. Não é a toa que duas bandeiras fortes do movimento
atual referem-se á educação: a Lei 10639 que altera a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação ao instituir a temática da história da África e da cultura
afrobrasileira nos conteúdos curriculares do ensino básico e a implementação
das cotas raciais nos processos seletivos das universidades públicas.
Eu
procuro entender o problema do racismo pelo viés do marxismo. Uma das ideias
mais interessantes do pensamento marxista é que os homens estabelecem relações
concretas uns com os outros com base na produção material. O racismo no Brasil
origina-se do fato do capitalismo por aqui ter se construído com base na
acumulação primitiva de riquezas obtida pelo modo de produção chamado pelo
pensador Jacob Gorender, de escravismo colonial. O "escravismo
colonial" foi muito bem conceituado por Gorender – ele sustentou o
mercantilismo na Europa durante muito tempo, possibilitou em certo momento,
recursos para inversão em modos de produção mais avançados e, após a proibição
do tráfico de escravos em 1850 (lei Eusébio de Queiroz), os recursos que eram
destinados ao tráfico foram direcionados para investimentos em sistemas
produtivos, possibilitando aí, a transição negociada do escravismo colonial
para o capitalismo.
Reforço
esta ideia da "transição" – não houve ruptura com a ordem anterior e
sim uma transição. A classe dominante brasileira é descendente dos
escravocratas. Por isto, elementos construídos nas relações sociais do
escravismo se transfiguram para o capitalismo. A "tolerância
opressiva" de que fala Darcy Ribeiro – tolerar o outro para poder
oprimi-lo – serviu como mecanismo legitimador da escravização e, atualmente,
para a superexploração da mão de obra assalariada. Negros são tolerados desde
que em seu "devido lugar".
Por isto,
o racismo no Brasil se manifesta em construção de lugares permitidos para
brancos e negros. A escola, como instituição social, se manifesta como um
espaço em que estas ideias se reproduzem. O sociólogo Pierre Bourdieu elaborou
o conceito de "capital cultural" para definir as competências e
habilidades exigidas e universalizadas pela instituição escola como mecanismos
de violência simbólica, a medida que exige um "enquadramento"
daqueles que desejam ser bem sucedidos neste espaço.
É com
base nestas referências que entendo que a luta pela lei 10639 e pelas cotas são
instrumentos que explicitam conflitos dentro da instituição educacional. A
resistência à implementação ou mesmo a distorção dos mesmos se dá não por uma
"deformação" ou "incompreensão" dos agentes envolvidos na
instituição, mas sim porque uma concepção mais radical dos significados destas
normas implica em questionar os sistemas de "violência simbólica"
inseridos na instituição escolar.
É
importante lembrar que a lei 10639 altera a LDB, portanto os conteúdos ali
previstos não são "periféricos" mas tem o mesmo status de qualquer
outro conteúdo obrigatório do currículo, como Português ou Matemática. E também
que ele é obrigatório para todas as escolas do ensino básico, mesmo aquelas em
que não há negros ou que atenda uma elite branca. Qual a importância desta
reflexão? É que ela aponta que os conteúdos de História da África e cultura
afrobrasileira passam a integrar o conjunto de competências e habilidades
exigidas na instituição escolar, reposicionando a figura do africano e do
afrodescendente da periferia para o centro simbólico.
No caso
das cotas nas universidades, a presença de mais e mais negros e negras nas
universidades conflita com as imagens estabelecidas de que os lugares negros
são os subalternos – as periferias, os trabalhos precarizados, a exclusão.
Transformando um espaço "monocromático" em "multicolorido",
conflita com as imagens simbólicas de lugares consolidados de negros e brancos.
Ora, a
medida que se reposiciona estes lugares simbólicos de negros, há um
deslocamento também da posição do que é ser branco. O ser branco se consolida
como o lugar da "universalização" da condição humana (por isto,
muitos brancos não se assumem como "grupo étnico" e se definem como
"humanos", "mestiços", "misturados" e outras
definições que apagam a ideia de ocuparem um lugar hegemônico construído pela
subalternização de outro). A condição social do ser branco se configura a
partir de "privilégios adquiridos racialmente" – como, por exemplo,
contar sempre com a possibilidade de existir uma mulher negra pobre para ser
explorada como trabalhadora doméstica ou ainda ser escolhido em uma seleção
visual de trabalho em que concorre com uma pessoa negra – que se transfigura em
um leque maior de oportunidades. A medida que a luta contra o racismo avança em
todos os sentidos, estes privilégios vão sendo questionados e, por isto, a
gritaria começa desmontando todo o discurso do mito da democracia racial
brasileira.
Diante
disto, o racismo não se resolve meramente com a educação, até porque a escola,
como instituição social o reproduz. A luta pelas cotas e pela lei 10639 tem uma
função importante de abrir frentes de embate dentro da instituição escolar,
porém sem criar a ilusão de que a mera implantação resolverá o problema das
relações étnicas no Brasil.
A escola
é um espaço de conflitos – demonstrado, nitidamente, quando se ouve um
professor da USP afirmar, em uma reunião, que "a implantação das cotas
poderia aumentar a violência no campus."
Fonte: Blog do Dennis
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