João Candido Felisberto, líder da Revolta da
Chibata.
Fonte: Associação Cultural do Arquivo Nacional
No início
do século 20, a maior parte dos trabalhadores da Marinha brasileira era
composta por mulatos e negros, escravos libertos ou filhos de ex-escravos. As
condições de trabalho eram precárias: os marinheiros tinham remuneração baixa,
recebiam péssima alimentação durante as longas viagens nos navios e, o mais
grave, estavam submetidos a punições corporais, caso desobedecessem alguma
regra.
Mais de
duas décadas após a abolição da escravidão, a prática de castigos físicos ainda
era comum na Marinha brasileira. Punições típicas do período colonial haviam
sido revogadas com a Proclamação da República, em 1889, e reintroduzidas pelo
Decreto 328, de abril de 1890. O rebaixamento de salário, o cativeiro em prisão
solitária por um período de três a seis dias, a pão e água, para faltas leves
ou reincidentes, e as 25 chibatadas para faltas graves eram penas
regulamentadas em plena República.
Esse
contexto revoltava centenas de marujos que durante os anos de 1908 e 1909
passaram a se organizar, buscando, sem sucesso, negociar melhorias trabalhistas
com o governo. No dia 21 de novembro, o marinheiro Marcelino Rodrigues de
Menezes, acusado de embarcar com uma garrafa de cachaça, foi violentamente
punido não com 25, mas com 250 chibatadas, na presença de todos os tripulantes.
O castigo
exagerado do marujo levou ao início da revolta, no dia 22 de novembro, com a
participação de cerca de 2.300 marinheiros que, liderados por João Cândido
Felisberto, tomaram o controle dos encouraçados Minas Gerais, São Paulo e do
cruzador-ligeiro Bahia (recém-construídos na Inglaterra) e do antigo
encouraçado Deodoro. Uma carta reivindicando melhores condições de trabalho e
modificações na legislação penal e disciplinar com destaque para a extinção das
chibatadas foi enviada ao governo. Com os canhões das embarcações apontados
para a cidade do Rio de Janeiro, os marinheiros ameaçavam bombardear a capital
do país, caso suas exigências não fossem atendidas.
O governo
cedeu às pressões dos marujos e em 27 de novembro de 1910 a chibata foi abolida
da Marinha de Guerra brasileira. Oficialmente, a anistia estava garantida aos
revoltosos liderados por João Cândido - que a partir desse momento, passou a
ser tratado pela imprensa como o "Almirante Negro". No dia seguinte,
porém, o presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca assinou o decreto
8.400 que permitia a exclusão da Marinha de qualquer marujo cuja presença fosse
julgada inconveniente por seus superiores.
Repressão violenta na
Ilha das Cobras
Segundo o
historiador Marco Morel, cerca de 1.200 homens foram expulsos da Marinha,
centenas foram presos e outros 30 foram assassinados. As prisões do Batalhão
Naval localizado na Ilha das Cobras, na baía de Guanabara, estavam lotadas e,
em 9 de dezembro, uma nova rebelião foi iniciada. O governo rapidamente
reprimiu a insurreição e usou a situação para suspender a anistia oficialmente
anunciada semanas antes.
João Cândido
então foi preso, acusado de liderar a recente rebelião. Na noite de 24 de
dezembro, véspera de Natal, 31 marinheiros foram trancados em duas pequenas
celas repletas de cal, que teria sido utilizada para higienizar o ambiente. No
dia 26, quando os funcionários do cárcere voltaram ao trabalho, apenas dois
marujos sobreviviam: João Cândido e João Avelino Lira.
Bastante
traumatizado e tendo alucinações, João Cândido foi levado ao Hospital Nacional
dos Alienados, no bairro da Urca, onde permaneceu internado por três meses.
Depois de recuperado, foi levado de volta à prisão na Ilha das Cobras,
cumprindo pena até 30 de dezembro de 1912.
Impedido de
retornar à Marinha, João Cândido trabalhou em embarcações particulares, sendo
constantemente demitido por pressão da Marinha sobre seus patrões. Passou a
ganhar a vida como pescador e comerciante de peixes na Praça XV. Morreu em
1969, aos 89 anos, vitima de um câncer de pulmão.
Em 1977, Aldir
Blanc e João Bosco homenagearam o líder da Revolta da Chibata compondo o samba
"Mestre-sala dos Mares", interpretado por Elis Regina.
Em 2008, o
presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a lei federal de número 11.756
concedendo a anistia póstuma a João Cândido e a outros marinheiros que
participaram da revolta. No entanto, a indenização aos descendentes dos marujos
foi vetada pelo presidente da República.
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos
entre cantos e chibatas
Inundando o coração
do pessoal do porão
Que, a exemplo do feiticeiro,
gritava então
Glória aos piratas
Às mulatas,
às sereias
Glória à farofa
à cachaça,
às baleias
Glória
a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
as pedras pisadas do cais
Mas salve
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
as pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
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