domingo, 22 de julho de 2012

A Consciência Negra dentro do debate da Sustentabilidade


Valdir Lamim Guedes Junior (*) 


Desde 1971  comemora-se, no  dia  20  de  novembro,  o "Dia  Nacional da  Consciência Negra".  Nessa  data,  em  1695,  foi  assassinado  Zumbi,  um  dos  últimos  líderes  do Quilombo dos Palmares, que se transformou em um grande ícone da resistência negra ao escravismo e da luta pela liberdade. O 20 de novembro foi instituído como data de referência  para  o  movimento  negro  em  contraposição  ao  13  de  maio,  quando  foi decretada a abolição da escravatura, a chamada Lei Áurea, pela princesa Isabel, em 1888. O 13 de maio geralmente é visto como a celebração da generosidade de uma branca em relação aos negros, em vez de enfatizar a própria luta dos negros por sua libertação.
Um dos objetivos deste dia é mostrar o quanto o país está marcado por diferenças e discriminações raciais, já que o tema do racismo quase sempre foi negado, dentro e fora do Brasil. Nesta data, somos todos convidados a refletir sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.
"O  Brasil  nunca  teve  uma  segregação racial formal,  institucionalizada. Mas  não teve porque  não  precisou,  estava  na  regra  social,  ela  era  praticada,  não  precisa  ser institucionalizada"1. E um fator que ameniza as tensões sociais é a miscigenação: "A mestiçagem criou no Brasil uma sensação de harmonia e acomodação dos diferentes povos que constituíram esse povo, povo brasileiro. Uma aparente afetividade entre os diferentes"2. O preconceito no Brasil é uma coisa feita cotidianamente, no entanto, é mascarado,  ás  vezes  a  discriminação  está  menos  nas  palavras  e  mais  no  jeito  de olhar, em atitudes, desconfiança.
A idéia de valorizar a cultura e história dos negros no Brasil não é um fator que reforça o racismo.  Isto vem  de  encontro  com  a  própria  construção  complexa  do  povo brasileiro.  É dizer:  "Sou  negro,  sou  brasileiro,  quero  meus  direitos  e  ser  respeitado como  sou".  É  assumir  a  ascendência  e  a  história  dos  negros.  É  estar  ciente  da contribuição para a diversidade de nossa sociedade. Orgulho de uma ascendência que não precisa ser maquiada.
Com este discurso temos a busca de um ideal, o da diversidade real, da aceitação das
diferenças culturais e da igualdade entre as pessoas. Apesar do foco deste dia ser o racismo  contra  afro-descendentes,  pode  ser  visto  também  como  o  dia  de  todos  os brasileiros e brasileiras que lutam por uma sociedade democrática de fato e igualitária, unindo-os  num  projeto  de  nação  que  contemple  a  diversidade  própria  do  nosso processo histórico. Um projeto de nação deste tem por trás a idéia de sustentabilidade, em várias dimensões.
Segundo  Ignacy  Sachs3  (1993  apud  Nunes,  2005)4  a  sustentabilidade  tem  cinco dimensões:  social,  econômica,  cultural,  ecológica  e  espacial.  A  dimensão  social  da sustentabilidade está relacionada à outra idéia de sociedade, na qual o "ser" é mais importante  que  o  "ter",  maior  distribuição  do  "ter",  visando  diminuir  a  distância socioeconômica  entre  as  pessoas.  A  dimensão  econômica  refere-se  a  um  equilíbrio entre  as  nações  (Norte/Sul),  maior  transferência  de  renda,  que  os  avanços macrossociais são mais importantes que o lucro das empresas. A dimensão ecológica focada  num  uso  responsável  dos  recursos  naturais,  incluindo  com  o  aumento  de tecnologia para diminuir os impactos sobre o meio ambiente. A espacial relaciona-se busca  de  uma  configuração  rural-urbana  mais  equilibrada,  com  melhor  distribuição  territorial de assentamentos humanos e atividades econômicas. E  uma  quinta  dimensão,  a  cultural,  relacionada  ao  respeito  das  especificidades  de cada local, valorizando a cultura deste. Ao dar ênfase nestas dimensões, o autor deixa claro que para alcançarmos a sustentabilidade temos que valorizar as pessoas, seus costumes  e  saberes.  Por  exemplo,  neste  processo  de  valorização,  a  escola  tem um papel  central,  porque  durante  a  abordagem  educativa  deve-se  demonstrar  uma equiparidade entre as culturas, sem uma escala de importância, pois ao valorizar uma cultura em prol de outras estamos recriando relações de dominação e submissão.
Ao dar esta visão a sustentabilidade, Sachs deixa escancarado que ao se falar neste tema  deve-se  ter  uma  visão  holística  dos  problemas  da  sociedade,  não  focando apenas no meio ambiente e recursos naturais. Pensar em sustentabilidade é pensar em  algo  muito  mais  profundo,  que  visa  uma  verdadeira  metamorfose  do  modelo civilizatório atual.
O desafio relacionado à questão racial no Brasil tem um problema tão sério quanto às diferenças socioeconômicas entre brancos e negros5 e o preconceito velado de cada dia, é que a cobertura dos assuntos de interesse da população negra no Brasil pelos grandes  jornais  e  revistas  reproduz  posições  contrárias  a  ações  afirmativas,  como cotas em universidades e o reconhecimento de terras remanescentes de quilombos5.Esta  é  uma  atitude  muito  negativa,  porque  além  de  criticar  medidas  tomadas  para reduzir  as  diferenças  sociais  no  Brasil,  ainda  influenciam  a  grande  massa  com  o discurso de que as ações afirmativas são racistas ou então que o racismo não ocorre no país.
Um projeto de nação que vise um desenvolvimento socioeconômico mais sustentável passa  por  um  novo  posicionamento  em  relação  às  questões  raciais  no  nosso  país, somos  indiscutivelmente  miscigenados  e  temos  que  aceitar  esta  condição  como  um ponto que nos aproxima e também que nos deixa mais fortes.

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(*) Valdir Lamim Guedes Junior
Mestrando  em  Ecologia  de  Biomas  Tropicais,  Universidade  Federal  de  Ouro  Preto.  E-mail: diguedes@yahoo.com.br

1 Sevcenko, Nicolau. Entrevista para a Frente 3 de fevereiro. In: Zumbi Somos Nós:  democracia racial, pág 56. Disponível em , acesso 22/Nov/2009.

2 Zumbi Somos Nós: democracia racial, pág 57. Disponível em acesso 22/Nov/2009.

3 Sachs, Ignacy. Estratégias de Transição para o século XXI: Desenvolvimento e Meio Ambiente. São Paulo: Studio Nobel. 1993.

4  Nunes,  El en  Regina  Mayhé.  Alfabetização  Ecológica:  um  Caminho  para  a Sustentabilidade. Porto Alegre: Ed. Do Autor. 2005.

5 Dossiê EcoDebate: Consciência Negra e o ´retrato´ da desigualdade. Disponível em acesso 21/Nov/2009.

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